Autor de Carmen triunfa após críticas
Colaboração para a Folha Online
Foi um escândalo. Na noite de 3 de março de 1875, a platéia presente à Opéra-Comique de Paris saiu chocada com a estréia de Carmen, de Georges Bizet. Acostumado com histórias ditas "edificantes", o público ficou incomodado com aquele espetáculo singular, no qual uma cigana desprovida de qualquer moral, sem a menor sombra de remorso ou piedade, enfeitiçava e levava os homens à perdição. Em vez de final feliz, um assassinato em cena. Carmem é morta pelo amante, a punhaladas.
A música, tão perturbadora quanto o enredo, foi motivo de igual controvérsia. A crítica, na imprensa da época, mostraria-se dividida. A maioria, é certo, tratou a ópera de Bizet como um espetáculo repugnante e obsceno. "Se fosse possível imaginar Sua Majestade Satânica escrevendo uma ópera, Carmen seria o tipo de obra que se esperaria", diria o Music Trade Review, de Londres.
Houve, porém, quem pensasse o contrário. "Bizet quer pintar homens e mulheres de verdade, alucinados, atormentados pelas paixões, pela loucura. Assim, a orquestra conta suas angústias, seus ciúmes, suas cóleras e a insensatez geral", foi a avaliação publicada no Le National, de Paris.
A originalidade de Carmen acabaria triunfando sobre os preconceitos e valores da época. Mas Bizet não viveria a tempo de assistir a seu próprio triunfo. Exatamente três meses após a polêmica estréia, recolhido a Bougival, uma pequena cidade do interior da França, ele morreria de um ataque do coração.
Sua trajetória musical havia sido rápida e surpreendente. As primeiras obras, Os Pescadores de Pérolas, de 1863, A bela moça de Perth, de 1867, e Djamileh, de 1872, pouco ou nada deixavam antever a revolução proporcionada por Carmen.
Nascido na capital francesa em 1838, Bizet era filho de um professor de canto e de uma pianista. Aos nove anos, os pais o matricularam no Conservatório de Paris. Em 1857, com 19 anos de idade, ganhou o cobiçado Grande Prêmio de Roma e foi estudar na Itália, onde passaria três anos. Os professores viram nele um promissor instrumentista, mas Bizet preferiu tentar uma carreira como compositor.
Pouco depois de retornar a Paris, perdeu a mãe, morta em 1861, e teve um filho com a empregada doméstica que servia à família. Casaria apenas em 1869, com Geneviéve, filha de Fromental de Halévy, seu antigo professor no Conservatório de Paris. No ano seguinte, alistou-se na Guarda Nacional e foi lutar na guerra franco-prussiana. Após enfrentar os campos de batalha, tentou retomar sua carreira de compositor. Foi quando apostou que sua ópera Djamileh lhe traria a consagração. Mas a obra foi recebida com frieza pelo público e pela crítica.
Ainda se refazendo do fracasso anterior, Bizet mergulhou no projeto que resultaria em Carmen, sua obra-prima. Após ler a história original do escritor francês Prosper Mérimée, novela publicada pela primeira vez em 1845, decidiu tranformá-la em ópera, com libreto escrito por Henri Meilhac e Ludovic Halévy. Sem nunca ter posto os pés na Espanha, Bizet pesquisou alguns elementos da música espanhola e acrescentou alguns outros, derivados deles, mas fruto de sua própria imaginação. Isso levou parcela da crítica da época a denunciar um certo artificialismo da composição, que soaria como "música francesa querendo se passar por espanhola".
Enquanto a parcela mais conservadora da crítica insistia em ver defeitos de ordem estética e moral em Carmen, a obra começava a chamar a atenção de importantes compositores contemporâneos de Bizet. Morto aos 36 anos, o compositor não testemunhou a extraordinária repercussão que sua ópera conquistaria logo a seguir. Nos dez anos seguintes, ela seria apresentada cerca de mil vezes, em diferentes montagens, em toda a Europa. Depois de arrebatar as platéias em sua versão lírica, Carmen também seria celebrada no século 20, com várias versões cinematográficas, entre elas as dirigidas pelos cineastas Carlos Saura e Jean-Luc Godard.
Fonte: UOL
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